Já não existem amores eternos

Numa tarde atípica de outono, onde o calor se fazia sentir, dando a ilusão de estarmos perante verão ardente, estação que passou-nos pelos olhos sem que a víssemos, sentamos-nos no chão, perto da cadeira da minha avó, esperando mais uma história sua.

Era dia de saborearmos a sopa que só ela sabia fazer e o assado no forno de lenha, que teria sempre um sabor diferente, não fosse esse feito no sítio que era, com todo o amor do mundo. Mas, também era dia de desvendarmos um pouco mais sobre a figura maternal, que nos acolhia a cada domingo, com toda uma alegria inigualável e um carinho infinito. Os anos claramente, não se faziam sentir, do nosso lado, pois sempre a víamos como exemplo, com um sorriso nos lábios, com a mesma garra de viver. Ela tinha-nos acostumado bem demais aos seus costumes, ao seu amor, à sua voz e às suas histórias de miúda que tanto pedíamos com sede de saber mais, de aprender também.

Com os telemóveis arrumados – sendo que não havia internet na casa –, o silêncio apoderou-se da sala e com o cheiro da ansiedade e dos chás no ar, esperamos que ela começasse a contar a história que nunca soubemos. Era como um segredo. Só nós saberíamos e teríamos de o guardar. Foi assim que nos tinha dito, quando chegamos.

Foi naquela janela que conheci o amor da minha vida, foi também nela que dei o meu primeiro beijo contido e foi nela que me despedi do amor eterno, que hoje ainda sinto. Começou deixando-nos todos irrequietos. Os comentários e as suspeitas surgiram. Era um segredo de facto. Tinha sido o seu maior segredo até então e agora todos nós partilhávamos isto em comum. Nem os nossos pais sonhavam com algo deste calibre. Contudo, conhecendo a mulher de cabelo grisalho, como conheço, sabia que havia uma boa explicação para um começo tão perturbado.

A história foi-nos contada, surpreendendo-nos por completo. Foi um amor imenso, sentido no seu auge, vivido por pouco tempo, que rapidamente se tornou numa dor difícil de carregar. Mais difícil se tornara, quando a nossa avó fora obrigada a casar com o nosso falecido avô, sendo que estava completamente despedaçada por um amor que não vingou. Foi usada, iludida, magoada. Tal experiência se iguala às experiências que hoje vivemos e temos, aos pontapés.

Já não existem amores eternos. Deixamos de carregá-los quando a nossa dor e o nosso amor se transformam em ódio. Foi mais um ponto que me fez olhá-la com outros olhos: com olhos de pura admiração. Depois do acontecido, ela não o odiava, nem tampouco o tinha esquecido. Continuava a ser o seu amor, o amor da sua vida. Podiam passar cem anos, que sempre assim seria. Ainda que tivesse casado e tido filhos com alguém que amou também, mas nunca com a mesma intensidade.

Hoje em dia, não sabemos o que é amar para sempre. Nem sabemos como é amar sequer. Dizemos algo que não sentimos. Já não sabemos o que é sentir de verdade, por isso esses amores nos parecem algo tão impossível de conseguir, de sentir. Quando é possível, se passarmos a sentir de verdade, a dizer o que verdadeiramente sentimos. Já não existem, em nós, mas quem sabe, se por um acaso, nos esbarrarmos com um?

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